sábado, 16 de julho de 2011

In My Time of Dying

Well, well, well, so I can die easy

"In My Time of Dying", ou "Jesus Goin' A-Make Up My Dying Bed", ou "Jesus is a Dying-Bed-Maker" é uma canção folclórica norte-americana. De origem provavelmente sulista e negra, a música é conhecida principalmente pela versão do Led Zeppelin - que, como de costume, se apropriou dos créditos da composição. Mas a peça é bastante tradicional e merece um dissecamento apropriado.

As raízes da canção são provavelmente ligadas a cultos de igrejas afroamericanas a partir da segunda metade do século XIX. Como todo mundo sabe, essas igrejas tem uma história muito ligada às do blues, do soul e do R&B. "In My Time of Dying" é um blues, e uma das bandeiras do gênero.

A lírica é bastante clara, e, apesar da letra ter passado por alterações através da história, a ideia se mantém: o personagem em frente à morte, mas sabendo que essa não será tão terrível porque Jesus o confortará e "fará sua cama".

Uma das primeiras versões gravadas - e uma das mais influentes - de "In My Time of Dying" é a da lenda Blind Willie Johnson. Com a letra consideravelmente diferente da que conhecemos hoje, mas sem muitos desvios na temática, a interpretação, de nome "Jesus Make Up My Dying Bed", foi gravada em 1927. Nela, já fica claro que a canção e o slide guitar são inseparáveis.



Em 1933, Josh White gravou a versão que ditaria o ritmo de todas as outras que vieram depois, como a que Bob Dylan trouxe em seu debut. Uma interpretação emblemática, já com o nome que conhecemos hoje. Segue a letra da leitura de Dylan (afinal, se alguma letra deve ser analisada, é a do mestre):



Well, in my time of dying don't want nobody to mourn
Bem, na minha hora de morrer não quero ninguém de luto
All I want for you to do is take my body home
Tudo que eu quero que você faça é levar meu corpo para casa
Well, well, well, so I can die easy
Bem, bem, bem, para que eu possa morrer fácil
Well, well, well
Bem, bem, bem
Well, well, well, so I can die easy
Bem, bem, bem, para que eu possa morrer fácil
Jesus gonna make up, Jesus gonna make up
Jesus fará, Jesus fará
Jesus gonna make up my dying bed
Jesus fará o meu leito de morte

Well, meet me Jesus, meet me, meet me in the middle of the air
Bem, Jesus, me encontre, me encontre no meio do ar
If these wings should fail me, Lord, won't you meet me with another pair?
Se essas asas falharem, Senhor, você vai me encontrar com outro par?
Well, well, well, so I can die easy
Well, well, well
Well, well, well, so I can die easy
Jesus gonna make up, Jesus gonna make up
Jesus gonna make up my dying bed.

Lord, in my time of dying don't want nobody to cry
Senhor, na minha hora de morrer não quero que ninguém chore
All I want for you to do is take me when I die
Tudo que eu quero que você faça é me levar quando eu morrer
Well, well, well, so I can die easy
Well, well, well
Well, well, well, so I can die easy
Jesus gonna make up, Jesus gonna make up
Jesus gonna make up my dying bed.

Em 1971, John Sebastian gravou "Well, Well, Well", sua versão da música. Impregnada do clima dos anos 70, a interpretação foi a primeira a ter como base o rock 'n' roll.



Em 1975, veio a grande versão de "In My Time of Dying": a do Led Zeppelin no famoso disco duplo Physical Graffiti. A interpretação, que combina blues e instantes de groove funk, figura como um dos melhores trabalhos do Led, em mais uma mostra da química incomparável que o grupo ostentava. Nos mais de 11 minutos, Jimmy Page dá um show, levando o slide ao limite, em um dos momentos memoráveis da técnica. Quando Sir Page empunhava nos espetáculos sua Danelectro preta e branca, o público já sabia que a coisa estava prestes a ficar feia...



"In My Time of Dying" é mais um clássico blues norte-americano, além de uma bandeira importante do rock 'n' roll. Seguem mais algumas interpretações interessantes.


Interpretação de Charley Patton, mais uma lenda do blues a fazer uma leitura do clássico


Pops Staples, em álbum vencedor do Grammy e versão digna dos anos de origem da canção


A balada alternativa de Lydia Lunch:


A versão eletrônica/alternativa de Martin Gore:


Jimmy Page revivendo a canção em turne com o Black Crowes:


A interpretação violenta de Zakk Wylde com o Pride & Glory:


Doyle Bramhall II coloca a música de volta às raízes blues:


quinta-feira, 7 de julho de 2011

St. James Infirmary



So cold, so sweet, so fair

Ao que interessa, começam as atividades do that old guitar, que vai tratar de canções lendárias, muitas cujos autores nem se sabe mais quem são. A primeira é uma das minhas preferidas: "St. James Infirmary".

As origens de "St. James Infirmary" são um tanto obscuras. A versão mais aceita da história da música fala em uma canção folk britânica, conhecida como "The Unfortunake Rake". Muitas das composições que serão abordadas nessa série tem histórias parecidas, portanto é importante que se explique o valor folclórico delas. As mesmas estão realmente encrustadas na cultura dos povos. Em comparação, seria como a canção do Itororó ou a valsa de quadrilha para nós brasileiros. Fato constante durante o século XX foi a apropriação, por parte de músicos de blues e jazz norte-americanos, de composições folclóricas britânicas do século XIX.

É o caso da canção desse post. "The Unfortunate Rake" também inspirou outras adaptações à americana, como "Streets of Laredo", ou "The Cowboy's Lament", que será abordada em outra oportunidade.

"The Unfortunate Rake" é basicamente uma balada popular. Com grande carga emocional, os versos da música falam de um soldado ou marinheiro que se lamenta e pede um funeral digno ao se ver próximo de morte por doença venérea, contraída de uma jovem mulher. Não existe consenso sobre a idade da música, mas é mais aceito que ela date do século XIII.

E como "The Unfortunate Rake" virou "St. James Infirmary"? Acontece que, em algum ponto da construção popular da canção, foi adicionada uma referência à tal enfermaria. E isso provavelmente aconteceu já no século XX. Em 1909, foi fundada, no Balham (bairro do sul de Londres), uma St. James Infirmary - nos alicerces de uma workhouse!. Não existem provas de que é o cenário da balada, mas tudo indica que sim, considerando a localidade tradicional e a história do prédio, ligada à classe operária londrina. Em 1922, a enfermaria mudou para outro local próximo, passando a ter o nome de St. James Hospital. Não existem fotos da enfermaria, só o desenho abaixo - encontrado no workhouses.org, site que registra a história das casas de trabalhadores na Inglaterra - e algumas fotos do já hospital. Se você quiser saber mais detalhes sobre a história do St. James, uma boa dica está aqui. Entretanto, hospitais com o nome de St. James existem no mundo todo (inclusive havia um em Nova Orleans no fim do século XIX), portanto, mesmo que seja grande a possibilidade do local da lírica ser esse de Sansfeld Road, em Londres, é difícil afirmar com certeza que realmente é.

provável enfermaria que deu nome à composição - repare na arquitetura, típica de casas construídas para abrigar muitos trabalhadores

Quando a canção chegou a Nova Orleans, você já deve imaginar o que aconteceu. A versão jazz ganhou uma nova história. O rapaz, agora incorporado pelo clima bohêmio da cidade, já é um apostador beberrão - e até cafetão - em várias versões. E a própria morte já não é o foco da lírica. Na enfermaria do St. James está uma jovem mulher, que acabou de morrer e está deitada em uma maca. A lamentação passa a ser dupla: a jovem já morta e a própria morte, que se aproxima.

Na versão de Louis Armstrong (a mais emblemática), a letra assume a seguinte forma:

I went down to the St. James Infirmary
Eu fui até a enfermaria St. James
Saw my baby there
Vi minha garota lá
She was stretched down on a long white table
Ela estava esticada em uma longa mesa branca
So cold, so sweet, so fair
Tão fria, tão doce, tão bela

Let her go, let her go, God bless her
Deixe ela ir, deixe ela ir, Deus a abençoe
Wherever she may be
Seja onde ela estiver
She can look this wide world over¹
Ela pode procurar em todo esse largo mundo
But she’ll never find a sweet man like me
Mas ela nunca vai encontrar um homem bom como eu

When I die want you to dress me in straight lace shoes
Quando eu morrer eu quero que você me calce com sapatos bem amarrados
I wanna a boxback coat and a stetson hat
Quero um sobretudo preto e um chapéu Stetson
Put a twenty dollar gold piece on my watch chain
Coloque um pedaço de ouro de vinte dólares na corrente do meu relógio
So the boys’ll know that I died standing flat²
Assim os rapazes saberão que eu morri com a vida feita

1 - O primeiro ponto a se destacar é a separação de sentido que há na letra. A partir do segundo verso da segunda estrofe, fica clara a justaposição da história do jovem inglês com a do negro norte-americano: até esse ponto, fala-se da jovem, mas, a partir do mesmo, os versos tratam da morte do próprio rapaz. Essa passagem deixa clara a coordenação e a colcha de retalhos musicais que essa canção possui, aparecendo na incoerência do verso assinalado: se a mulher está morta, como procuraria por um homem melhor? Entretanto, o efeito que predomina é o de sentido: o rapaz, ao ver a mulher morta, reflete sobre o relacionamento que tinha com ela e principalmente sobre a sua própria morte.

2 - Note que na última estrofe aparecem alguns sinas dos valores da Era do Jazz. O rapaz quer mostrar aos companheiros - de bebida - que não morreu pobre, e sim "standing flat" (algo próximo de "com a vida feita"). Para isso o figurino de primeira linha e a ostentação de ouro. É o desejo de ascensão social bastante expresso no jazz, mergulhado no clima dos anos 20/30.

Depois de Louis Armstrong a música se tornou um clássico do jazz, interpretada por artistas dos mais diversos gêneros no mundo todo.

Enfim, "St. James Infirmary" é uma linda canção, importantíssima para o jazz e para a música de forma geral, além de um bom primeiro passo para esse blog. Seguem mais algumas versões interessantes:

Cab Calloway:


The Animals


Joe Cocker:


Eric Clapton e Dr. John


The White Stripes


Van Morrison (em disco vencedor do Grammy)


Hugh Laurie (o Dr. House)


The Gutter Twins (Greg Dulli & Mark Lanegan)


Jerry Reed